terça-feira, 21 de setembro de 2010

Uma aula sobre aves nativas e migratórias do MA

O deserto úmido do Maranhão é refúgio de aves costeiras que circulam o mundo fugindo do frio nas regiões geladas do planeta.

As dunas da costa leste, a costa dos manguezais no Norte do Maranhão, os salgados paraenses e a costa do Amapá integram o Corredor das Américas, um destino de aves costeiras da América do Norte – sobretudo do Canadá – para o extremo sul da Patagônia.

Um grupo de biólogos e ambientalistas de todo o país esteve na região para uma aula diferente: o Departamento de Biologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) decidiu oferecer um curso sobre aves costeiras numa das estações mais movimentadas do continente.

– Na realidade, esse ambiente dos lençóis é muito importante porque tem uma variabilidade muito grande de aves costeiras. Tanto na época da estiagem como na época da cheia. Então várias as espécies dependendo do momento, dependendo do ambiente. Então, algumas vêm forragear na época da estiagem e outras vêm forragear na época da cheia - explicou o biólogo José Maria, um dos coordenadores da missão.


O fato de o deserto maranhense ser uma área de invernada de aves migratórias que cruzam os continentes, segundo o biólogo Davi Barros Muniz, tem importância estratégica para sobrevivência das aves no planeta.


-Não só pro nosso Estado. Tem assim. Essas aves vêm da América do Norte. Vem aves da Antártida que vão para o Polo Sul. Então, nós temos que fazer a nossa parte para poder garantir que elas continuem essa migração. Elas param aqui pra continuar a migração. Elas vão pro deserto no Chile, pro Atacama. Pra Argentina. Aqui é só uma parada, né? Então a gente tem que saber preservar isso, entendeu? Estudar, ajudar outros pesquisadores que também fazem estudo nisso, em outros países e, com isso, contribuir para o conhecimento dessas espécies - disse.


A expedição científica reuniu alunos e também ambientalistas que resolveram participar da expedição pelo simples prazer de observar as aves numa das paisagens mais impressionantes do mundo. Uma iniciativa nova na região, com a intenção de estimular o birdwhating uma atividade muito comum na Europa e Estados Unidos onde os turistas pagam caro para observar os pássaros livres na natureza. A beleza do deserto. A vida silvestre, livre, na costa leste – são indicadores de que a região tem potencial para o birdwhating – a prática da observação ecológica.





Estação das aves


Gaivotas e maçaricos estão em temporada de reprodução. A maioria das aves já fez os ninhos e está chocando os ovos. E não é por acaso que as aves costeiras escolhem as dunas para fazer os ninhos. É um modo de se proteger dos predadores. Enxergar os ovos nessa imensidão branca – só de muito perto. Os ninhos minúsculos – cheio de ovos – ficam praticamente invisíveis nas dunas.
Os ninhais ficam no interior do parque nacional – uma área de conservação ambiental. As aves reagem com agonia diante da ameaça que se aproxima. A expedição avança com cuidado para não ameaçar o sossego das gaivotas.


À medida que o grupo avança, vem o alerta.


- A questão é ter sempre um guia. Uma pessoa que saiba o quanto representa um ninho, o potencial das aves que tem aqui. O potencial do nosso litoral. Deve vir para conhecer. A questão da paisagem tem que ser valorizada, claro. Os Lençóis, todo mundo sabe, é um Patrimônio da Humanidade, então, é a pessoa vir pra observar tanto o ambiente quanto os animais. Saber que aqui tem várias espécies de animais. Que os animais são grupos. É um grupo muito diverso de animais. Então a gente precisa valorizar isso. Saber onde elas colocam os ovos. Saber a quantidade de aves que existe na região. Os guarás que são as aves que a gente mais valoriza aqui nessa região de mangue que a gente pode observar muito guará ainda, se reproduzindo inclusive porque eles só se reproduzem em áreas muito conservadas. Em geral assim, conhecer pra poder respeitar - explica a estudante de Biologia de Edrien Allen.


A analista ambiental do Ibama, Kenya Valadares, se surpreende na primeira expedição nas dunas.


- É um curso que trouxe pesquisadores pra estudar aves desses ecossistemas, a gente tem uma consciência ambiental totalmente voltada pra conservação do lugar e a divulgação da pesquisa num bioma como esse é muito importante. Já quanto à visitação e ao turismo eu, particularmente, eu tenho ressalvas, porque nem todo o mundo tem a consciência ecológica de levar o seu lixo, de não afetar as áreas de mangue, isso sim é complicado, mas a pesquisa é algo que é totalmente necessário inclusive pra desenvolver estratégias de conservação, mais sólidas pra esse ecossistema. A fauna daqui, por incrível que pareça, é muito diversificada. Nós estamos estudando a ornitofauna dos Lençóis Maranhenses. Estudamos aves residentes e aves migratórias, né? E essa é uma época muito apropriada porque já vimos várias espécies que estão em momento de migração pra essa região porque é uma região que tem uma boa disponibilidade de alimentos, uma faixa de temperatura boa pra eles também e... Além das nativas que são muito lindas, interessantes.

Entre os alunos de Biologia, a mesma expectativa diante da grandeza do deserto. Pra maioria, estar atuando em campo, observar a natureza assim, grandiosa, é uma experiência pra não esquecer. Para Marcela de Matos Barbosa, bióloga, “tá esse curso, tá aqui proporcionou e ajudou muito a conhecer mais as espécies do nosso estado que a gente sabe que tem uma diversidade. Uma biodiversidade muito rica e que muita gente inclusive, não sabe, então. E experiência também de campo, experiência.
Marcelo Casoni, integrante de uma ONG com atuação em defesa das aves costeiras no litoral paulista, também ficou impressionado com o deserto nordestino.


– Facilita de uma série de maneiras porque a educação ambiental é o nosso diferencial para a gente conseguir preservar o nosso país e educação ambiental provém dessas atividades que a Universidade Federal do Maranhão está desenvolvendo e que a gente pretende estender isso pra minha região, no caso, São Paulo. No meu caso, eu faço parte de uma ONG de pesquisa de aves e a gente tem a intenção de desenvolver o mesmo trabalho que o professor Augusto desenvolveu aqui, da Universidade Federal do Maranhão, estabelecer um convênio com ele pra levar esse conhecimento que ele tem de aves costeiras litorâneas que eu faço parte de uma ilha como eu falei anteriormente, de uma Ilha em São Paulo, Ilha Bela, e a gente pretende levar esse conhecimento pra lá.


Equipamentos sofisticados facilitaram a observação da vida silvestre no deserto úmido maranhense. E o professor da turma, um veterano no estudo das aves costeiras, deixou as aulas ao ar livre bem mais proveitosas.


O professor doutor Antonio Augusto vem, há anos, se dedicando ao estudo dos maçaricos, uma das aves mais fascinantes da natureza, que atuam como bioindicadores nas regiões mais conservadas da terra. O pesquisador faz um alerta:


– Bem, toda a costa incluindo as reentrâncias maranhenses, ou o Parque Nacional dos Lençóis Maranheses, o salgado paraense, a costa norte brasileira, inclusive o Amapá tem uma importância internacional pra espécie migratória que migra no Corredor das Américas, no Corredor Leste passando aqui e outras residindo aqui, ou seja, permanecendo nessa área. Então é importante a conservação desses setores porque os norte-americanos e canadenses, tudo mais, estão muito preocupados com o destino das suas aves migratórias que vem pro nosso continente. Então, se não preservar, a tendência é um declínio populacional que pode, ocasionalmente, levar a extinção de alguns grupos.


As araras vermelhas estão em plena temporada de reprodução, no cerrado maranhense. A revoada no alto dos paredões de arenito é parte do ritual de acasalamento. As araras vermelhas escolhem as regiões mais intocadas pra fazer os ninhos: em ocos de árvores e em buracos abertos nas encostas. Os casais, fiéis pra vida toda, trocam carícias em pleno voo aproveitando o sossêgo e a imensidão dos vales no sudoeste do Maranhão.




Sem notar que estão sendo observados!


Lentes bem discretas acompanharam – de longe, durante uma semana – o alvoroço no interior do Parque Nacional das Chapadas das Mesas. Biólogos e ambientalistas do Brasil e da Inglaterra interessados no mapeamento da fauna na região de savanas - um ambiente de transição entre o cerrado e a amazônia brasileira, viveiro de uma gigantesca diversidade de plantas e aves.


O grupo escalou um penhasco com cerca de setecentos metros para acompanhar bem de perto o comportamento das araras vermelhas. As aves medem, em média, noventa centímetros de comprimento. Pesam um quilo e meio.


O professor de Biologia Ricardo Zabotini veio de São Paulo estudar as aves do cerrado maranhense.
- A partir de agora acho que as gente passa a poder ensinar pros alunos, pros outros, de uma forma mais correta o valor desse ambiente. O cerrado não é uma terra à toa ou o celeiro do mundo, mas que, principalmente o cerrado é uma reserva onde a maioria das nascentes de vários rios importantes do Brasil são do cerrado em várias chapadas e de que estas nascentes, esses berçários têm que ser preservados. Ouvir esse canto assim tão de perto é uma coisa que emocionante assim. Qualquer um que vê isso naõ esquece nunca não.


Observar as araras vermelhas, voando livres, também foi uma experiência reveladora para André Ribeiro, aluno de Biologia da Universidade Federal de Pernambuco.


– O voo das araras é bastante interessante. Voce vê a comunicação entre elas, o canto delas é uma vocalização onde elas estão conversando entre si e a gente pode vê a beleza natural que isso aqui é e o voo das araras é uma coisa assim: fantástica. Ver elas na natureza... esses animais livres fora do cativeiro. Muitas pessoas prendem essses animais mas aqui na natureza a gente pode ver a beleza deles e estudar um pouco a importância que eleas tem desse ambiente.


A expedição ao Parque Nacional das Chapadas das Mesas também fez parte de um curso da Universidade Federal do Maranhão. Um dos objetivos da aventura foi estimular o gosto pela observação da vida silvestre – uma forma de recreação que atrai milhões de pessoas ao redor do mundo, segundo explica a coordenadora da expedição, Naiara Valle.


– A gente buscou fazer o curso em duas áreas de Parque Nacional. Aqui, a gente tá nas Chapadas das Mesas e lá no litoral a gente fez no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. A gente quis mostrar pro público justamente este contraste, que ocorre em biomas diferentes e mostrar que todos eles são importantes pra toda a sociedade. Então... aqui nós temos aves de mata. Lá, nós temos aves costeiras e todas elas são importantes pro equilibrio na natureza e, consequentemente, pra toda a sociedade.


O biólogo baiano Eduardo Fatori veio de Salvador para integrar a expedição. E já trabalha com monitoramento de parques ambientais pelo país afora. Faz consultoria ambiental e esteve pela primeira vez na região das mesas de rocha do Maranhão.


- Anos atrás não se achava que o cerrado tivesse uma diversidade, tivesse espécies importantes. E de alguns anos pra cá – como se focou os estudos nessa área com iniciativas como esta do curso acabou se descobrindo inúmeras espécies novas – espécies endêmicas do cerrado... e, assim: é um bioma que tá muito ameaçado pela própria pressão econômica de se plantar soja, de se plantar algodão... de se trazer um desenvolvimento econômico pra uma região, né? Principalmente a partir da década de setenta. Então, é uma área muito importante principalmente pros parques. A gente sabe o que realmente existe no cerrado. Existem muitas áreas que ainda precisam ser estudadas - assinalou.


A vegetação densa do cerrado - no sudoeste do Maranhão – protege vales e cascatas; quedas d’águas e cachoeiras. Lagos com uma infinidade de tons – brotando nos canions – numa incrível mistura de cores. A geografia da região - cheia de formas e contornos – impressionou quem se embrenhou na mata pela primeira vez.

- Eu não conhecia. Não sabia o tamanho da riqueza, o tamanho do potencial que é o cerrado. Eu pensava que era alguma coisa assim pobre, mas muito pelo contrário, muito exuberante. - É explêndido! - disse admirada a estudante Ana Gardênia.
O ornitólogo Lincoln Carneiro, do Museu Emílio Goeldi, uma das instituições mais respeitadas da amazônia, foi convidado para dar aulas de ornitologia ao ar livre no coração do cerrado.


– Além da exuberância da vegetação, da beleza cênica do lugar, a gente tem uma fauna inteira associada. Não só aves mas tem outras espécies: mamíferos, reptéis, anfíbios endêmicos, mas do ponto de vista da flora e fauna que é minha especialidade, você tem aves únicas no cerrado que você não vai encontrar em nenhum outro cerrado brasileiro. Em nenhum outro lugar do cerrado brasileiro, só aqui, nessa área. Sem dúvidas que, várias espécies – potencialmente distribuídas para a Amazônia também vão estar aqui. Então a gente também tem essa coisa do ambiente transicional que é chamado de ecótono. A gente tem uma região de transição entre o cerrado e a Amazônia. A Amazônia tá muito próxima daqui. Então, algumas espécies amazônicas tambem estão aqui. Então isso faz da região ainda mais diversa – com fluxos de populações de aves ainda maior e ainda mais importante do ponto de vista da conservação.


A expedição entre as árvores retorcidas no sudoeste do Maranhão durou uma semana. Serviu para ampliar os conhecimentos sobre uma das reservas naturais mais ricas em biodiversidade do país. Conhecimento que passa a ser usado também como ferramenta de conservação desse gigantesco patrimônio natural brasileiro.



Ameaça


As chamas avançam pelas encostas. Ameaçam os animais silvestres e os monumentos naturais de arenito. As labaredas sobem as chapadas e destroem a vegetação no alto dos paredões, abrigo de aves em risco de extinção.


As araras vermelhas utilizam ocos de árvores e buracos no alto das rochas para fazer os ninhos. E as queimadas - sem controle - ameaçam a reprodução da espécie no coração da reserva ambiental. A estação seca deixou a vegetação esturricada no cerrado e com o vento o fogo se espalha rápido – pelos vales.


Os satélites do INPE - o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - registram temporadas de até sessenta dias sem chuva na região. E o fogo consumindo o bosque natural. Durante uma semana, o grupo de biólogos e ambientalistas percorreu o cerrado observando a vida silvestre.


Karl Lews, biólogo inglês, ficou impressionado com o estrago provocado pelas queimadas.


– Nós já estamos aqui há alguns dias e tá vendo muitas áreas pegando fogo assim. É uma tristeza mesmo – lamenta, com forte sotaque europeu.


O fogo sem controle ainda é uma das maiores ameaças ao cerrado, daí o esforço da ciência para conhecer a gigantesca biodiversidade das savanas maranhenses, onde há uma imensa maternidade de rios.


As minas brotam das encostas de rocha. Escorrem entre veredas cercadas de buritizeiros e um movimentado berçário de aves. Fotografar as araras vermelhas – em pleno voo, no ambiente delas – impressionou o biólogo baiano Mateus Vinhas.


– É absolutamente fantástico a gente ter a oportunidade de ver de perto. É um animal muito bonito assim, visualmente, e são coisas que a gente ver sair do papel pra realidade, entendeu? É uma pena às vezes a gente ver que o pouco que a gente tem. Às vezes, ele não é tão bem cuidado. Eu acho muito importante que atitudes como estas de incluir um curso, que se preocupe em conhecer a região, em valorizar a região pra gente poder manter esse patrimônio né? Porque ao longo do tempo, com a expansão econômica, acho que com a própria evolução da humanidade a gente tem muito a saber administrar o bem material que a gente tem. Então, são bens que, se a gente não desenvolver estratégias – logicamente – que beneficiem todo mundo, são bens que vale a pena ser visitados e ser preservados.


Conhecer melhor para cuidar direito e aproveitar do melhor modo possível todo serviço que a natureza presta – assim – grandiosa... Mas, finita!


- É esse o objetivo do curso: trazer as pessoas, mostrar pras pessoas que a gente tem um ambiente mega-diverso, uma natureza maravilhosa, exuberante com aves incríveis e queria mostrar pras pessoas que isso é importante: conservar. Não só porque traz serviços ambientais pra nós. Mas elas são, as aves são um bem em si. Elas são dignas de respeito e conservação por si só sem necessidade mesmo que alguma espécie não traga algum benefício direto para o ser humano, mas, em si ela é um bem... que deve ser preservado e conservado- ensina Lincoln, o ornitólogo do Emílio Goeldi.
 
Por: Sidney Pereira, especial para o Imirante 
http://imirante.globo.com/

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