terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Agronegócio quer acabar com a agricultura camponesa, afirma sociólogo


Por Solange Engelmann, Da Página do MST

Para o sociólogo e professor da Universidade Central do Equador, François Houtart, diante da atual crise climática capitalista, a saída para a continuidade da humanidade está na construção de outra sociedade a partir da convergência dos movimentos sociais.

François defende ainda que essa nova estrutura deve transformar os aspectos fundamentais da vida humana no planeta, buscando a construção do bem comum da humanidade.

François concedeu entrevista à página do MST quando esteve no Instituto de Agroecologia Latino Americano Amazônico (IALA), no assentamento Palmares II, em Parauapebas-PA, participando do Seminário “Relação Universidade e Movimentos Sociais na construção do pensamento crítico a partir da Pan- Amazônia”, realizado de 28/11 a 1/12.

O sociólogo escreveu um livro chamado “Agroenergia: solução para o clima ou saída de crise para o capital”, publicado no Brasil pela editora Vozes.
Quais as conseqüências dessa crise climática estrutural em relação ao modelo de agricultura capitalista agroexportador?

Traduz-se no mundo inteiro uma contradição muito grande de expropriação dos camponeses e das comunidades para políticas extrativas, e por outro lado, por monocultivos, especialmente para agrocombustíveis, nutrição de gado ou alimentação humana. Esse é um dos primeiros aspectos do capitalismo atual que busca novas fronteiras de acumulação. Como se faz da agricultura uma mercadoria, é necessário eliminar o campesino para transformá-la em uma agricultura industrial de tipo capitalista.
O segundo aspecto é o aumento da especulação do campo, que a agricultura sofre desde 2008, especialmente na crise do capital financeiro. Na bolsa de Chicago o preço do trigo, por exemplo, aumentou duas vezes mais de 100% em um ano, como outros produtos de alimentação. Esse é o resultado da especulação financeira, não de uma falta de alimentos que provocou conseqüências sociais terríveis. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), existem hoje no mundo mais de 115 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza e da fome.

Como a questão dos agrocombustíveis se insere nesse processo de crescimento da agricultura capitalista?

No Brasil esse é um problema central, pois vigora a ideia de que o etanol vai salvar o mundo. E o Lula se apresenta como o apóstolo do etanol para o mundo. Na África já são mais de dez países que fizeram um acordo com o Brasil para desenvolver o etanol. Isso é muito grave porque o Lula tem a imagem de um líder progressista, de esquerda. O etanol é tão destrutivo quanto à energia fóssil, já que para produzi-lo é necessário destruir vários hectares de selvas. Não é melhor, muito menos uma alternativa.

Os países da América Latina têm experimentado um aumento de desenvolvimento, com crescimento nas exportações e consumo da população, gerando o que alguns dizem de “nova classe média”. Esse grupo pode ser realmente considerado como classe média?

Há uma ambigüidade no conceito da classe média. Por isso, é muito difícil definir exatamente a classe média – ou se define em função do seu lugar na relação da produção ou em função do consumo. O problema é justamente o acesso ao consumo, pois o Banco Mundial ao fazer o último estudo utiliza o conceito veiculado ao consumo.

Esse grupo se encontra constantemente em situação de vulnerabilidade, pois depende muito da conjuntura, vinculada ao aumento do Produto Interno Bruto (PIB), uma medida totalmente discutível, pois quando aumentam as exportações também cresce a atividade econômica.

Nesse sentido, a classe média é um conceito discutível, mas existe uma classe de consumo que aumentou, além do aumento das importações de bens, que serve para construir essa classe. E esta classe, como em todas as partes, sempre busca a classe mais alta, se posicionando contra os movimentos sociais e em defesa do sistema hegemônico. A única exceção é quando a conjuntura muda e não há mais a mesma possibilidade de consumir. Nesse contexto, podem haver reações, mas estas também podem ser de direita, conforme se observa na Europa.

Qual sua opinião sobre a experiência do Instituto de Agroecologia Latino Americano Amazônico (IALA) e a luta do MST, que conheceu no sudeste do Pará?

Me impressionou os efeitos da lógica do capitalismo a médio prazo e a política do extrativismo. O que me impressionou também é a imobilidade de política agrária. Como conheci o Lula e os dirigentes do Partido dos Trabalhadores (PT), para mim é incompreensível a imobilidade estrutural das políticas agrárias. É uma contradição muito fundamental.

Talvez [a política do PT] entra nessa lógica da social democracia, aceitando o capitalismo como meio de crescimento econômico, e depois o socialismo seria a distribuição de uma pequena parte do produto. O que significa que as distâncias sociais praticamente não mudaram no Brasil. Devemos reconhecer que houve uma política de tipo assistencial, que tem salvado muitas pessoas, mas isso não construiu novos atores sociais que participam de uma nova construção social, senão uma classe média e pobres clientes.

Na sua concepção, a sociedade do bem comum ou o socialismo, como afirmou, seriam construídos a partir da luta convergente em torno da crise climática?

Esta luta será central, porque também é o campo que pode atrair a atenção de todo o mundo e servir de base para uma nova consciência, a partir das lutas existentes. Por exemplo, a luta camponesa está diretamente relacionada à luta climática.

Seria a luta de classe convergente das lutas específicas, no âmbito climático?

Exatamente. É evidente que o problema climático tem uma dimensão de classe. Primeiro, porque não são todas as classes sociais que destroem o clima de maneira igual. Segundo, as primeiras vítimas são as classes subalternas, operárias ou camponesas. Esse aspecto de luta de classe é muito presente na luta em relação ao clima. Mas, pode ser um ponto de convergência que ajude numa tomada de consciência mundial. Mas, os portadores vão ser particularmente, os movimentos indígenas e os movimentos camponeses. Pois serão os primeiros a serem diretamente atingidos e ameaçados.

http://www.mst.org.br

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