quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Rede de ONGs lança atlas inédito que mostra as pressões sobre Amazônia



Mapa da Raisg mostra áreas desmatadas entre 2000 e 2010 (em vermelho), áreas naturais protegidas (em verde) e as reservas indígenas (bege).
Mapa da Raisg mostra áreas desmatadas entre 2000 e 2010 (em vermelho), áreas naturais protegidas (em verde) e as reservas indígenas (bege).


Do alto dos Andes ao Atlântico, do planalto central ao planalto das Guianas, a floresta amazônica cobre cerca de 7,8 milhões de quilômetros quadrados, envolvendo oito países e a Guiana Francesa. Vivem na região 33 milhões de pessoas, incluindo 385 povos indígenas e uma imensa diversidade de culturas e populações. O bioma é complexo, com matas de terra firme, savanas, alagados, várzeas e campinaras, uma diversidade ambiental estratégica para o clima tropical da América do Sul, pois produz chuvas e umidade, imprescindíveis para o clima do planeta. Em comum, cada hectare desta diversa área tem um problema: a região está sob pressão de diversas atividades econômicas. Para ajudar a monitorar todos esses desafios, a Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG) lança nesta terça-feira 4, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, e quarta-feira 5, no Fórum Amazônia Sustentável, em Belém, o atlas Amazônia Sob Pressão, uma publicação inédita a respeito das pressões econômicas na Amazônia.
As atividades econômicas que necessitam de monitoramento são inúmeras. Usinas hidrelétricas, mineração, garimpo, extração ilegal de madeira, desmatamento, gado, soja, novas estradas conectando lugares, novos migrantes, novos conflitos sociais e ecológicos. As fronteiras políticas nem sempre são suficiente para isolar os problemas. As pessoas circulam entre Estados e diferentes países, os impactos ambientais atravessam fronteiras, mas as informações circulam muito menos. E os diversos governos da região não conseguem agir de forma coordenada. É para tentar reduzir esses problemas que o atlas foi criado.
A Raisg é composta por organizações de todos os países que integram a Panamazônia, coordenado pelo Instituto Socioambinetal (ISA), no Brasil, também parte do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). O objetivo da publicação é “contribuir para superar visões fragmentadas e promover iniciativas e processos integrados, regionais, nacionais e internacionais, que contribuam para a consolidação das Áreas Protegidas e dos Territórios Indígenas – os quais somam cerca de 45% da região – como parte importante da solução para a conservação e o uso sustentável dos ecossistemas.”
“A RAISG é uma plataforma acumulativa de informações sobre a situação contemporânea da Amazônia, aberta à cooperação com outras redes”, explica o antropólogo Beto Ricardo, um dos fundadores do Instituto Socioambiental e coordenador do projeto. A íntegra do atlas pode ser acessada em raisg.socioambiental.org. Contém informações pouco divulgadas no Brasil, como o desmatamento em cada país amazônico. No Brasil, entre 2000 e 2010, foram desmatados 240 mil quilômetros quadrados, área equivalente à do Estado de São Paulo.
divulgação/internet
A maior mina de ferro do mundo, na Serra dos Carajás, no Pará, é um dos desafios ambientais na Amazônia brasileira. Autor: divulgação/internet
A maior mina de ferro do mundo, na Serra dos Carajás, no Pará, é um dos desafios ambientais na Amazônia brasileira.
Os impactos transfronteiriços têm sido deixado de lado nas discussões multilaterais entre os países, mas sua gravidade fica evidente ao ser exposta no atlas. Acordos econômicos bilaterais são a tônica das relações entre os países, mas muitas vezes não levam em conta a complexidade do sistema. Caso grave, com risco de um crime contra a humanidade, é o das populações indígenas que vivem em isolamento voluntário na fronteira do Peru e Brasil, resistindo na defesa do seu território. Estão cercadas por campos de extração de petróleo, madeira e garimpos.
As terras indígenas nessa área no Brasil vão até a fronteira e, do lado peruano, existem também unidades de conservação. Porém, cada administração é feita sem que haja compartilhamento de informações e ações. Os povos em isolamento são vulneráveis, e ameaçados de genocídio e consequente extermínio. São vistos, muitas vezes, como um entrave no meio de um plano de uma estrada, como a que liga Pucalpa, no Peru, a Cruzeiro do Sul, no Acre. “Há ausência de uma instância robusta de governança Panamazônica, como prioridade da cooperação entre os países amazônicos”, aponta Beto Ricardo na entrevista abaixo.
CartaCapital: De onde surgiu a ideia da Raisg? Como ela funciona?
Beto Ricardo: Foi uma iniciativa do Instituto Socioambiental (ISA). No ISA, desde a nossa fundação, em 1994, usamos a cartografia com uma visão socioambiental e orientada para apoiar os processos de luta por direitos coletivos e difusos. Temos uma base de dados georreferenciados dedicada ao monitoramento de terras indígenas e unidades de conservação, para todo o país e com mais detalhes para a Amazônia brasileira. Chegou a hora de estimular essa prática para a Panamazônia. Afinal, a Amazônia é uma paisagem complexa, de florestas, água e diversidade socioambiental, compartilhada por oito países, mais a Guiana Francesa, e onde vivem 33 milhões de pessoas e 385 povos indígenas. Esse atlas é apenas um dos produtos resultante do esforço de colaboração de instituições da sociedade civil dos países amazônicos.
CC: O que há em comum em todas as diferentes regiões da Amazonia?
BR: A diversidade e complexidade socioambiental do sistema amazônico, que está sob riscos e ameaças de novas formas de ocupação econômica nos últimos 50 anos.
CC: E quais são os problemas em comum?
BR: A visão que há nos países que compartilham a Amazônia de que se trata de uma região com recursos naturais infinitos a serem explorados comercialmente no mercado de matérias primas. São subestimados os serviços socioambientais da Amazônia como manancial de saberes tradicionais, de agrobiodiversidade e água doce, além de fábrica de calor úmido que regula o clima da América do Sul e do planeta.
divulgação/internet
Imagem mostra a exploração de madeira na Amazônia. Entre 2000 e 2010, a Amazônia brasileira perdeu uma área equivalente ao Estado de São Paulo. Autor: divulgação/internet
Imagem mostra a exploração de madeira na Amazônia. Entre 2000 e 2010, a Amazônia brasileira perdeu uma área equivalente ao Estado de São Paulo.
CC: Como pode ser descrito o momento pelo qual a Amazônia, de forma geral, está passando hoje?
BR: A Amazônia está em pleno ciclo de degradação e supressão da paisagem florestal, e de deterioração dos cursos de água e homogenização cultural.
CC: E quais seriam os problemas específicos mais urgentes apresentados no atlas?
BR: Os impactos das obras de infraestrutura, especialmente as hidrelétricas, o avanço da agropecuária sobre a floresta, a mineração e a extração de madeira ilegais. Há ausência de uma instância robusta de governança Panamazônica, como prioridade da cooperação entre os países amazônicos.
CC: Como são as populações amazônicas, quem é a gente que vive nesse espaço tão amplo?
BR: Os povos indígenas estão na Amazônia há pelo menos 10 mil anos. Aos atuais povos da Amazônia os estados nacionais reconheceram terras que somam cerca de 25% da extensão da região, o que os credencia como atores muito importantes para desenhar o futuro da região. A estes se somam uma série de populações tradicionais que chegaram à região nos últimos 120 anos e construíram modos de vida adaptados à floresta. A novidade nos últimos 50 anos foi a chegada dos novos colonizadores vinculados a modos de vida não florestais e ribeirinhos, que vieram no rastro das estradas e acabaram se fixando majoritariamente nas cidades.
CC: Quais as possibilidades de os países agirem de forma unida, de existir uma cooperação na Panamazônia?
BR: Hoje, diante das dinâmicas hegemônicas da supressão da paisagem amazônica, os países amazônicos privilegiam as agendas bilaterais e não uma agenda de cooperação multilateral amazônica, tarefa da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OCTA – aprovado em 1998 em Caracas). Enquanto perdurar esse desinteresse por parte dos estados nacionais, vai ser difícil alterar o atual panorama. Mas, claro, as comunidades transfronteiriças e as organizações da sociedade civil podem, e devem, estreitar seus laços de cooperação e tomar iniciativas práticas integradas à escala panamazônica. Trata-se de fortalecer esses espaços democráticos inspirados por uma visão sistêmica da Amazônia, para qual esse atlas é uma contribuição.
CC: Em termos de políticas públicas, o que as organizações da RAISG esperam poder contribuir com o Atlas?
BR: Fortalecer uma visão geral e sistêmica da Amazônia para os diferentes atores – governamentais e da sociedade civil – interessados em construir uma agenda compartilhada de responsabilidade socioambiental.
Por Felipe Milanez
www.cartacapital.com.br

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